Calafrios percorrem o meu corpo ao lembrar-me da visão que tive certa vez. A mim mesmo prometi que não contaria esta horripilante história a ninguém, mas, não agüentando ficar-me de boca fechada, resolvi, inocentemente, abri-la.
O fato aconteceu à noite. Estávamos eu e minha amável esposa deleitando-nos num sono tranqüilo quando, de repente, um estrondo me açoitou os ouvidos. Abruptamente arregalei os olhos. A principio julguei ser o vento brincando com as árvores ou com a madeira da casa, mas, depois de aguçar melhor os sentidos, compreendi que o vento não era. Primeiro ouvi passos apressados contornando nossa casa, em seguida barulhos de parafernálias espatifando-se no chão, até que ouvi, então, um maldito e sinistro silêncio.
O que ouvi em seguida foi os fervorosos latidos de Busi, meu adorável cão, que ficava em uma casinha nos fundos de nossa propriedade. Pensei em levantar, mas aguardei. Para meu espanto, Busi começou a latir mais alto e desesperadamente, até que, aos poucos, seus latidos foram se abafando, sumindo, até que levemente se tornaram apenas murmúrios se súplica, como se alguém o tivesse fazendo mal.
O silencio novamente pairou. Busi havia se calado.
Tentando compreender o que de fato havia acontecido lá fora, sai da cama e peguei uma lanterna na dispensa. Ao sair, uma lufada de vento me golpeou a face, assim como a amarga e fantasmagórica escuridão. Ao longe, alguns metros a minha frente, distingui os contornos da casa do meu velho amigo canino, mas, surpreendentemente, não o vi.
Resolvi me aproximar. Caminhei a passos lentos até a sua casinha – atento, é claro, a qualquer mínimo barulho que porventura pudesse distrair-me. Aos poucos os meus olhos foram se acostumando com a penumbra e, quando finalmente conseguiram ver alguma coisa, estupefatos ficaram assim que enquadraram a silhueta de Busi, deitado a minha frente. Acautelei-me nos passos e forcei a visão. Sim, era o meu amigo cão!
— Busi! — Chamei-o. — Venha cá amigão.
Ele não se mexeu. Suas orelhas permaneceram inertes. Fui chegando cada vez mais perto, e detive-me finalmente quando entendi que a situação e o estado em que ele se encontrava era assustador. Talvez você, assim como os policiais, não acredite nessa história, mas eu digo, foi assustador! Quase vomitei. Minhas pernas falharam e meu coração acelerou ao vê-lo ali. Busi estava morto, aberto ao meio, sem suas entranhas, sem seus órgãos, como se alguém os tivesse arrancado com a mão, ou até mesmo com dentadas.
Fiquei parado, pasmo, sem saber o que fazer. Aquela estranha e nojenta visão de sangue e vísceras me causaram náusea e quase desmaiei. Tapei a boca com uma mão e com a outra segurava a lanterna, que subitamente resvalou de meus dedos e caiu na grama úmida da noite. Agachei-me para pegar e, quando comecei a exercer esse procedimento, ouvi passos lentos vindos do meu lado direito. Estanquei. Ouvi uma forte respiração. Havia alguém ali junto de mim. Rapidamente peguei a lanterna e virei-me em direção aos passos. Foquei diretamente na face de alguém. Meu sangue gelou. Era um homem. Um homem com a boca cheia de sangue, escorrendo por seu pescoço e camisa. Olhei em sua mão direita e distingui algo sanguinolento. Era algum órgão de Busi. O homem havia comido meu cão com os próprios dentes! Não pensei duas vezes. Comecei a correr até minha casa, com o rastro do maldito as minhas costas. Quando cheguei, fechei a porta e deixei-o lá fora.
No outro dia contatei a policia. Quando fui mostrar o estado do meu cão a eles, uma surpresa: Busi havia desaparecido. Ninguém nunca acreditou nessa história, mas garanto, mais do que tudo nessa vida, você acreditando ou não, que ela é verídica.
Por Marcelo dos Santos
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