Sempre me perguntei o que realmente se escondia por trás do olhar felino de Damiana. Um olhar ousado, gentil, atraente e ao mesmo tempo perturbador. A maneira como ela me fitava, seu sorriso, seus gestos, tudo nela me fazia acreditar que ela era a perfeição em pessoa. A primeira conversa que traçamos foi numa noite fria e mergulhada em névoa. Como em todas as ruas da cidade, eu vinha caminhando atento, quieto e apenas sentindo o coração gritar na região das têmporas, quando senti um arrepio me acariciar a alma, e um medo avulso me invadir. Olhei ligeiramente para trás e vi apenas a rua deserta, cheia de sombras e penumbra. Mas quando passei por um beco escuro, senti que uma figura se projetava as minhas costas. Espantei-me, mas por sorte, era ela.
Aproveitando-me desse momento, convidei-a para sair, e no outro dia nos encontramos num café que descansava no térreo de um edifício sombrio e antigo. O estabelecimento era pequeno e com pobres detalhes de lucidez. Enquanto lia o cardápio, não percebi Damiana entrar e só notei sua presença quando dirigiu a palavra a mim.
― Veio cedo...
― Não costumo me atrasar ― sorri e beijei-a. ― Você está linda.
Nessa noite conversamos e bebemos aos montes, até que em certo momento, como num impulso, ou valendo-se de minha artimanha masculina, convidei-a para brindar a noite e ir até o meu apartamento. Ela aceitou, e quando chegamos, Damiana admirou-se ao contemplar os contornos dos móveis e dos cômodos.
— Você tem bom gosto — disse ela, passeando os olhos para todos os lados.
Não agüentamos por muito tempo. A despi com paciência, e assim que ela obedeceu ao mesmo procedimento, seu corpo nu roçou meus lábios e, antes de cairmos num sono profundo, entregamos-nos um ao outro como a doçura de um hálito de prazer.
Ao acordar, percebi que o alvorecer se apresentava quando uma tira de luz do sol veio acariciar minha face. Abri os olhos e tateei a cama ao meu lado. Damiana não estava lá. Levantei ligeiro e não notei sua presença dentro do apartamento. De roupão, andei pelo corredor e, sobre uma cômoda, observei um pedaço de papel em cima de uma folha de jornal velho. Tomei o papel em mãos e li aquelas malditas palavras:
“Espero que tenha gostado desta noite assim como eu, e desejo que não permita que seu coração se apegue assim, pois eu não pertenço a você, nem a ninguém. ”
Sem entender, peguei a folha de jornal e li uma reportagem que me fisgou, corroendo-me de susto. Não acreditei. A matéria dizia que uma jovem havia sido vitima fatal de um acidente de carro, e que o fato, como explicitava a data do jornal, era de quase dez anos atrás. Atônito, quase cai de costas quando vi o retrato de Damiana ali exposto. Ela estava morta há quase uma década! Mas então quem era aquela garota? Com quem eu realmente eu havia estado na noite anterior? Larguei rapidamente aquela folha amarelecida, e após me aprumar, desci as escadas em busca de fôlego e de respostas.
Marcelo dos Santos
ja começou moendo,mto bom o conto!
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